Febre puerperal : Como a Lavagem de Mãos Salvou o Futuro de Milhões de Mães e Recém-Nascidos
Nos últimos anos, a importância de lavar as mãos tornou-se mais evidente do que nunca. Um hábito simples e rápido, fundamental para evitar doenças e contaminações. Mesmo assim, considerando a facilidade com que às vezes negligenciamos essa prática nos dias de hoje, podemos imaginar o quão desafiador era nos séculos passados. Nessa época, não existiam sabonetes com espuma macia e fragrâncias agradáveis de flores, e as pessoas desconheciam a existência de microorganismos que poderiam ameaçar a saúde. Abordamos anteriormente a importância da higiene na evolução da cirurgia, mas essa questão acompanhou a humanidade por muitos anos, especialmente no caso da febre puerperal, uma ameaça que assolou mulheres e famílias por séculos, até que protocolos seguros fossem desenvolvidos para garantir a segurança de mães e bebês após o parto.
Durante o período Tudor, que abrangeu os anos de 1485 a 1603 na Inglaterra, a taxa de mortalidade era alarmante entre mães e recém-nascidos. Os partos ocorriam frequentemente nas próprias casas, com parteiras de confiança ou até mesmo com mulheres da vizinhança, dependendo das condições financeiras da família. O cenário, contudo, estava longe do ideal: materiais, instrumentos e panos não esterilizados, higiene precária e ambientes pouco propícios.
Complicações eram comuns, e não havia médicos ou remédios disponíveis para tratar essas mulheres e crianças. Infecções eram frequentes e contribuíam significativamente para a elevada taxa de mortalidade. Procedimentos como a episiotomia, uma incisão no períneo para facilitar a saída do bebê, eram realizados sem a devida esterilização das mãos e instrumentos da parteira, resultando em sérios problemas de saúde para as mulheres.
O que é a febre puerperal afinal?
A febre puerperal é uma condição febril que ocorre após o parto, causada por uma infecção no útero que pode se espalhar para outros órgãos, tornando-se uma infecção generalizada. Muitas vezes, é causada pela bactéria Streptococcus pyogenes. Seus sintomas iniciais incluem febre, delírios e dores abdominais intensas. Embora muitas espécies de Streptococcus habitem nosso organismo sem causar danos, em desequilíbrio ou em contato com mucosas ou corrente sanguínea, podem resultar em infecções.
A febre puerperal recebe esse nome por ocorrer durante o puerpério, o período após o parto que envolve alterações hormonais, fisiológicas e psicológicas nas mulheres, durando de 45 dias a um ano pós-parto.
Mesmo em famílias com boas condições financeiras no período Tudor, a febre puerperal afetava inclusive as rainhas da época. Elizabeth de York, esposa do rei Henrique VII, é um exemplo, falecendo dias após dar à luz Catarina Tudor. Apesar de terem sete filhos, apenas quatro sobreviveram à infância, incluindo Henrique VIII, que testemunhou a morte de duas de suas seis esposas, Jane Seymour e Catarina Parr, devido a infecções e complicações pós-parto.
Embora a taxa de mortalidade já fosse alta durante o período Tudor, ela aumentou ainda mais no século XVII, quando médicos passaram a realizar partos e a frequência de mulheres em hospitais se tornou mais comum. Médicos realizavam procedimentos e até autópsias sem a devida higienização entre pacientes.
Em 1842, o médico Oliver Wendell Holmes começou a estudar a febre puerperal após assistir a uma palestra do médico Walter Channing, instrutor da Harvard Medical School, em Boston, nos Estados Unidos. Channing apresentou treze casos da doença em seu hospital. Um ano depois, Holmes publicou o artigo ‘A Contagiosidade da Febre Puerperal’, argumentando sobre a transmissão da doença de parteiras e médicos para pacientes. Aprofundando seus estudos, concluiu que a doença era contagiosa e propôs medidas preventivas para evitar sua propagação, buscando alertar médicos e parteiras.
Como mencionado no texto sobre a evolução da cirurgia, no século XIX, o médico Ignaz Semmelweis, do Hospital de Viena, percebeu que a morte pós-parto poderia ser evitada de maneira simples. A ala obstétrica do hospital tinha duas enfermarias, uma para partos realizados por médicos e outra para partos por parteiras. Semmelweis observou que a taxa de mortalidade na enfermaria dos médicos era de 20%, enquanto na das parteiras, era de 3%.
Ele concluiu que essa diferença ocorria porque os médicos, vindos diretamente da área de autópsia, examinavam as mães sem a devida assepsia, enquanto as parteiras permaneciam em suas áreas designadas. Ao introduzir medidas de assepsia, a taxa de mortalidade na enfermaria dos médicos caiu para 2%, no entanto, sua proposta não foi bem recebida pelos colegas médicos. Na época, as mortes foram atribuídas ao que Semmelweis chamou de ‘partículas cadavéricas’, conceito que atualmente sabemos estar relacionado a micro-organismos.
Com o avanço da medicina e da ciência, novos estudos e teorias foram desenvolvidos sobre a febre puerperal. O conhecimento aprimorado da anatomia permitiu uma compreensão mais profunda dos processos corporais. O entendimento das bactérias e outros micro-organismos evoluiu, revelando como esses elementos afetam a saúde. Antes vista como uma consequência natural da gravidez e do parto, a febre puerperal passou a ser compreendida como resultado de fatores externos.
Atualmente, a contaminação por Streptococcus pyogenes e a febre puerperal são raras, e dispomos de acesso fácil a antibióticos e outros tratamentos.
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