Evolução cirúrgica: de Hipócrates à cirurgia robótica

Pensar hoje em cirurgias e outras intervenções médicas é pensar em tecnologia, segurança e técnicas avançadas. Mas nem sempre foi assim. Inclusive, o uso de anestesia e da assepsia dos centros cirúrgicos são tão recentes na história da medicina, que, na linha do tempo, estão muito mais perto da cirurgia robótica do que dos primeiros registros de procedimentos.

Mas voltando na história, apesar de termos registros históricos de procedimentos invasivos como a remoção de uma parte do osso do crânio para expor o cérebro e tratamentos de fraturas datados do período neolítico, foi graças a Hipócrates, cerca de 400 anos a.C, que a medicina passa a ser encarada como um meio para a recuperação da saúde de uma forma separada de rituais religiosos. Considerado o “Pai da Medicina Ocidental”, seus estudos focaram em observar e compreender o funcionamento do organismo humano, na busca de explicações racionais.

Hipócrates, o pai da cirurgia

Hipócrates, o pai da cirurgia

Como é de se imaginar, as cirurgias antigas eram muito mais violentas e sangrentas do que as de hoje, mesmo porque alguns pilares como anatomia, anestesia, infecções e assepsia só surgiram muito depois da necessidade das pessoas por intervenções médicas, que por sua vez surgiram com batalhas, guerras e falta de higiene e saneamento básico.

Durante a Idade Média, os principais responsáveis por procedimentos cirúrgicos, como sangrias, extrações de dentes e amputações, eram os barbeiros. Como o estudo da medicina estava sob a tutela da Igreja Católica durante esse período, restava a eles oferecer esses serviços à população – sendo a cirurgia encarada como a última esperança, já que além do procedimento com toques de tortura, o pós-operatório não era nada fácil, sendo usado óleo quente e cauterização para estancar e cicatrizar feridas.

Foi só no século 16 que o médico francês Ambroise Paré substituiu o método por uma mistura que ajudava na cicatrização e na recuperação do paciente. Paré atuava como auxiliar de cirurgia e cuidava do tratamento de feridos por arma de fogo no Hôtel-Dieu, o mais antigo hospital de Paris. Até então, acreditava-se que essas feridas deveriam ser cauterizadas com ferro em brasa ou óleo fervente, para evitar a ação da pólvora no organismo. Porém, segundo o estudo publicado por Paré em 1545, em um dia especialmente movimentado, faltou óleo para cuidar de todos os feridos e ele foi forçado a usar uma mistura de de gema de ovo, mel e resina para que nenhuma pessoa ficasse sem tratamento.

Ele notou que aqueles tratados com a mistura se recuperaram muito melhor, porque livres das queimaduras e de mais estresse para o corpo, conseguiam descansar e se recuperar melhor, enquanto aqueles tratados com óleo, estavam febris e com inflamações causadas pela cauterização.

Médico Francês
– Ambroise Paré

Como vamos ver mais para frente em outros casos de avanço da medicina, o estudo de Paré foi mal recebido pelo meio médico por ter sido escrito por um cirurgião-barbeiro e em francês, já que o latim era o idioma oficial para publicações médicas na época.

No começo do século 17, os barbeiros seguiam ocupando a prática cirúrgica e, apesar desse período ser conhecido como a era da revolução científica, a cirurgia não acompanhou o progresso e cirurgiões eram considerados cidadãos de segunda classe diante de outros médicos. Mesmo a anatomia não tendo avançado, nessa época surgiram novas técnicas para tratamento de fissuras e luxações e cicatrização de feridas.

No século 18, o sobrenome Hunter se destacou no meio cirúrgico, com o trabalho dos irmãos John e William Hunter. O primeiro criou um novo método de sutura de aneurismas e o segundo foi considerado pai da cirurgia experimental e da anatomia obstetrícia.

Apesar da evolução no pilar da anatomia, a evolução da anestesia demorou um pouco mais. Por centenas de anos, substâncias analgésicas e narcóticas, como opiáceos e haxixe, foram usadas como forma de amenizar o sofrimento dos pacientes durante os procedimentos. Mas métodos mais violentos também têm seu lugar na história, como golpear a cabeça ou comprimir a carótida do paciente até ele ficar inconsciente.

O Éter, que até hoje aparece em filmes sendo usado para derrubar vilões, foi descoberto em 1275 pelo teólogo, filósofo e alquimista espanhol Raimundo Lúlio, mas seu uso estava associado ao alívio da dor. Foi só em 1842 que vapores da substância foram utilizados como anestésico pelo médico Crawford Long durante a extração de um tumor no pescoço de um paciente.

Depois de alguns anos, o éter foi substituído pelo clorofórmio, que foi amplamente utilizado até a descoberta de seus efeitos tóxicos e a constatação de que causava mais mortes que o método anterior. O cloroetileno e a cocaína também foram usados como métodos anestésicos, mas com a Primeira Guerra Mundial, em 1914, muitos gases anestésicos estavam sendo descobertos e usados na medicina. Foi só em 1935 que surgiu o pentotal – também chamado de “soro da verdade” por induzir um relaxamento que supostamente deixa o paciente mais suscetível a admitir segredos – um barbitúrico injetável que induzia um sono agradável antes da cirurgia.

Enquanto isso, também avançavam os estudos sobre microrganismos e como eles impactavam a recuperação de pacientes que haviam passado por cirurgias. No século 17, foi publicada a primeira pesquisa que descrevia a ação de microrganismos presentes na água e como se movimentavam, o que deu início a outras explorações sobre o assunto.

No século 19, Ignaz Semmelweis passou por uma situação parecida com a de Ambroise Paré ao tentar mudar a forma como os médicos do hospital Allgemeines Krankenhauses de Viena encaravam a assepsia antes de uma cirurgia.

Na ala obstetrícia do hospital, os partos eram feitos por médicos e parteiras, em enfermarias distintas. Semmelweis observou que na enfermaria das parteiras, a mortalidade era de 3%, enquanto na dos médicos, esse número chegava a 20%. Ele concluiu que isso acontecia porque os médicos vinham diretamente da ala de autópsia examinar as pacientes. Depois de instaurar processos de higienização, a taxa de mortalidade caiu para 2%. Mesmo com os bons resultados, o estudo não foi bem recebido por outros médicos, incluindo o chefe de Semmelweis, que limitou suas práticas no hospital como punição.

Ignaz Semmelweis pioneiro nos procedimentos anticepticos em cirugias

Ignaz Semmelweis pioneiro nos procedimentos anticepticos

Gradativamente, ao longo dos séculos seguintes, outros médicos e cientistas perceberam a importância da higiene em salas de cirurgia e luvas de borracha, gorros e aventais passaram a ser usados, assim como a desinfecção dos materiais e do ambiente cirúrgico.

Conforme o conhecimento de anatomia e as técnicas de anestesia e recuperação foram sendo aperfeiçoadas, os cirurgiões passaram a ter mais tempo para executar procedimentos, o que acarretou no aprimoramento de técnicas e complexidade das cirurgias realizadas. Descoberto em 1895, o raio X também teve grande impacto nas cirurgias, já que agora era possível investigar problemas antes de começar um procedimento. Em 1923, tivemos outro grande avanço, quando Carl Williamson identificou o processo biológico que fazia o corpo humano rejeitar órgãos transplantados e já em 1954 ocorreu o primeiro transplante de rim bem sucedido.

Laparoscopia e a cirurgia robótica

Graças aos avanços da ciência e da tecnologia, novos métodos menos invasivos e mais seguros começaram a surgir para substituir os antigos. Em 1901 surgiu a laparoscopia, técnica desenvolvida pelo cirurgião alemão Georg Kelling, que descreveu o método de encher o abdômen de um cão vivo com ar e inserir um cistoscópio para inspecionar as vísceras.

A técnica logo foi adotada para cirurgias ginecológicas e para a retirada da vesícula biliar e atualmente, seu uso se expandiu e substitui muitas cirurgias “abertas”, em que em vez de uma única incisão maior no abdômen, são feitas várias pequenas incisões para inserir os trocartes, por onde uma câmera chamada laparoscópio é usada para que o médico possa ver o interior da cavidade abdominal. 

Em 1999, foi lançado o robô Da Vinci, que auxilia médicos em suas cirurgias. A técnica, que chegou ao Brasil em 2008, é o que temos de mais modernos em procedimentos. Com esse método, o médico controla o robô, que graças a braços mecânicos que se movimentam 360°, tem uma liberdade de movimento maior que um punho humano, oferecendo também mais estabilidade, mais visão da área, redução do tempo de cirurgia e de perda de sangue e maior precisão.

Com a tecnologia avançando cada vez mais e chegando a outros patamares, é fácil pensar em um cenário parecido com ficção científica futurista onde serão usados nanorobôs, inteligência artificial e em que alguns problemas de saúde serão corrigidos antes mesmo de surgirem. Assim como aconteceu no passado, conforme avançam o conhecimento e a tecnologia, avançam também as técnicas cirúrgicas.

Cirurgia realizada em São Paulo utilizando o Robô Da Vinci

Cirurgia realizada em São Paulo utilizando o Robô Da Vinci

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